Eu, Flávia. A que vim?

Talvez este texto teria que ter sido o meu primeiro a ser publicado. Ouvi diversas vezes que seria bom começar a vida de escritora do começo, explicando do que se tratam o meu trabalho e as minhas pesquisas. Mas se nem Star Wars (que, aliás, nunca assisti) seguiu uma sequência correta, não serei eu a desafiar esse hábito de sucesso.

Pois bem, depois de fazer de tudo um pouco desde meados dos anos 90 – secretária, fazedora de velas artesanais, office-girl, professora de ensino fundamental, advogada, garçonete, administradora de escritório de engenharia, dog sitter de cães abandonados, administradora de coral, tradutora, tudo necessariamente nessa ordem – o que tenho feito nessa nova fase da vida é.. escrever. Falar também, tenho inclusive me arriscado em uns vídeos muito mal editados no YouTube. Mas a prioridade é escrever, sempre esperando que o que eu tenho a dizer seja interessante para alguém.

Os temas que me movem ressoam na minha infância. Depois de me dar conta de que eu e meus contemporâneos somos as ultimíssimas pessoas a ter crescido sem internet (mas agora já totalmente submersos na vida com ela), comecei a focar na importância de fazermos uma ponte entre os nascidos por volta de 1980 e as gerações que vieram depois. Mas vou enfatizar logo: eu não acho que a minha geração seja melhor do que as seguintes. Cansei dos textos e artigos que enquadram as pessoas nas gerações x, y e z. Perdi a paciência com a quantidade de matérias repetidas na minha timeline. Faço questão de não ser uma saudosista chata; sou uma saudosista legal.

Assim, eu que havia começado as minhas pesquisas na área de filosofia do direito, acabei integrando ao meu cotidiano também os assuntos relacionados a tecnologia, cultura moderna, educação e sociedade em geral.

A minha intenção é bem especifica. Quero dar a estes temas uma linguagem fácil, mastigada mesmo. Quando sociólogos falam pra estudantes de sociologia, ou quando escritores falam para as cabeças universitárias e/ou pensantes de uma comunidade, acaba-se criando um círculo que gira unicamente em torno de si mesmo.

Pessoalmente, penso que o que falta é levar o material produzido por sociólogos, filósofos, professores, jornalistas e profissionais literários não só para as pessoas que se identificam com esses assuntos mas também para aqueles que nunca tiveram a oportunidade ou interesse de se aprofundar neles.

Eu quero que sejamos ligados a nós mesmos e não escravos dos demais. Quero que o sistema sob o qual vivemos não nos faça murchar. Que a nossa vida dinâmica e moderna comporte também momentos de calma, silêncio e paz. Pra isso, a ferramenta da informação e a habilidade de pensar e desenvolver juízo crítico têm que chegar a todos.

Não estamos todos no mesmo barco mas estamos todos no mesmo mar. Né?

Quem São os Meus Heróis?

Tina é uma menina de vinte e poucos anos, encantada com o mundo e com as pessoas, que costuma se aproximar de quem ela acha mais cool do que ela própria – gente que se veste sem muita produção, que conversa sobre cinema alternativo e é engajada em assuntos da política nacional. Há na Tina um ímpeto de observar, imitar e aprender, e talvez por isso mesmo seja tão afeita a novas amizades e conversas.

Sempre que ela volta pra casa, onde mora com os avós, mãe e três irmãos mais novos, se arremessa no sofá com um lanche rápido nas mãos e joga conversa fora com quem quer que passe pela sala. Três casos e algumas risadas depois, Tina já está pronta pra subir pro quarto e se distrair com o celular por algumas horas.

Dia desses no entanto, ao chegar no andar de cima e atirar a bolsa na cama, se deu conta de que o telefone celular havia ficado na mochila de uma amiga. Pensou em ir à casa da Andreia, claro, mas não valia a pena dirigir por 1 hora e meia àquela altura da noite, já que elas iriam se encontrar logo cedo na manhã seguinte.

Bateu nela uma sensação enorme de não saber o que fazer. O computador da casa é pra uso da família toda, privacidade praticamente nenhuma. O livro que ela vinha lendo estava no celular. As mensagens trocadas com todos os amigos, as conversas ainda pendentes, estavam no celular. Os links abertos em blogs que ela queria ler melhor mais tarde: no celular. As fotos e vídeos que ela iria editar naquela semana. Celular.

Daí Tina se lembrou de uma história que o avô contava, de como os pais dele não deixavam que ele fosse se dar com os meninos e meninas do Stanislau, o bairro ao lado. Aliás, era no Stanislau que morava a avó da Tina, e foi lá mesmo naquela área que os dois se conheceram e começaram a namorar, há mais de 4 décadas. Mas tudo aconteceu às escondidas, não havia meios de convencer os pais daquela época a deixar os filhos se misturarem com os de outras áreas ao redor.

A molecada só queria estar junto. Conversar e passar tempo juntos. Muitas vezes sem fazer nada especial, mas juntos.

E não é essa espontânea singeleza que agora a Tina considera heroica?

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Na era da tecnologia, as nossas habilidades são inúmeras. Nós desenvolvemos o poder de interagir, produzir e apreender informações em alta velocidade, tudo ao mesmo tempo e agora.

Enquanto isso, no contraponto, a gente perdeu a calma do que é simples. O que é simples ficou bobo, o que é pouco complexo não é bom o suficiente.

Quais são as prioridades que nos movem, afinal de contas?